Je suis Charlie E Je suis Ahmed. Paris e os tempos de terrorismo


Na quarta-feira, dia 7 de janeiro de 2015, eu estava na faculdade o dia todo fazendo provas, então demorei a ficar sabendo do ataque ao jornal Cherlie Hebdo, e mais ainda a perceber a gravidade da situação para o país. Quando voltei para casa, por volta das 18h, não notei nada de diferente nem no metrô nem nas ruas, e só sabia que dois homens haviam invadido um jornal e aberto fogo. Cheguei em casa e vi as mensagens dos amigos no Facebook perguntando se eu estava bem, pedindo notícias, pois estavam vendo um plantão, cobertura completa, de um ataque terrorista em Paris. Então eu fiquei sabendo que era um jornal que publicava caricaturas de Maomé e ridicularizava o Islã e por vezes também o Catolicismo (eu mesma, que não tenho religião, tinha ficado chocada dias antes com uma capa do jornal ridicularizando Jesus Cristo, a primeira capa que tinha visto deles). Os dois homens teriam dito que estavam "vingando" o profeta (Maomé).

Foto: Rohma Malik/ Twitter
Tranquilizei todo mundo dizendo que estava bem, que o local onde havia ocorrido o ataque era próximo de onde eu moro mas não conheço nem passo por lá, e que não tinha notado nada de diferente na volta para casa nas ruas. Muita gente me perguntou como estava o clima na cidade, e demonstraram preocupação crescente, uma vez que uma "guerra" havia eclodido no país, com a polícia em alerta máximo, o assassinato da policial na divisa de Paris com Montrouge no dia seguinte, a caça aos suspeitos do ataque ao jornal e a cobertura da mídia 24h por dia (no Brasil, inclusive) mostrando cada detalhe e considerando os acontecimentos como o "11 de setembro da França".

Falando sobre a minha experiência, eu francamente acho que a mídia brasileira, pelo que me falaram, exagerou na forma como descreveram a "situação da cidade". Minha amiga me perguntou se era possível andar pelas ruas ou se estava muito tumulto (!), e isto em nenhum momento aconteceu realmente. Uma amiga que também mora aqui teve mais contato com a cidade em estado de alerta, e relatou a desconfiança das pessoas no metrô, a segurança reforçada na estação de trem onde os suspeitos eram esperados, e até uma suspeita de bomba em frente à loja em que eu trabalho (ela tinha ido lá num dia em que eu não estava trabalhando e encontrou a rua fechada, por causa de uma mala que haviam deixado na porta da loja e gerado suspeita de bomba). Eu vi muito menos destes efeitos. Vi ruas um pouco mais vazias do que o normal em Paris, vi a polícia em vários lugares e vi até dois policiais levando um homem aparentando ser do Oriente Médio, mas não notei nem a desconfiança no metrô, das pessoas se olhando, o que é incomum aqui, que minha amiga relatou. O que vi também foi o controle na entrada da faculdade (Paris 7), no dia do atentado e depois. Recebi, inclusive, um e-mail da universidade dizendo que o acesso aos prédios seria controlado, que verificariam bolsas e que só haveria uma entrada acessível em cada prédio. Já ontem, entrando no Monoprix, tive que mostrar a bolsa para o segurança na entrada, mas sem estresse. O que me deixou com certa agonia foi o barulho de ambulância o dia todo, apesar de não ver nada nas ruas nem nas notícias. Mas no geral, foi isso.

As pessoas ficaram com medo. Medo de que algo como o ataque ao jornal pudesse acontecer novamente em qualquer lugar e à qualquer hora. Meus amigos ficaram com medo de andar de metrô, por ser um local de aglomeração muito suscetível a ataques, mas a cidade continuou fluindo. Todos continuaram indo trabalhar (inclusive eu), e ir para a escola e faculdade, ir ao mercado (como eu), e tudo continuou a andar, não havia tumulto nenhum nas ruas e nem nada do tipo, A diferença era que todos estavam colados aos noticiários e esperando que os suspeitos fossem pegos. E eles foram. Houve um ataque à um mercado onde judeus geralmente fazem suas compras em Porte de Vincennes, com tomada de reféns, pelo suspeito de matar a policial em Montrouge. Infelizmente, cinco pessoas acabaram mortas, mas a maioria dos reféns foi libertada e o homem que havia realizado o ataque foi neutralizado pela polícia. Os dois responsáveis pelo ataque ao jornal também foram mortos, após tomarem reféns em uma fábrica fora de Paris.

As coisas estão se acalmando aos poucos. Algumas manifestações foram feitas em apoio às vítimas e ao país, e hoje à tarde tem uma grande manifestação republicana que vai da Place de la Republique até a Place de la Nation. O assunto no momento é o debate entre o direito à liberdade de expressão, o respeito às crenças e a cultura islâmica, e o preconceito contra os muçulmanos que ficou em evidência com toda esta situação. Quanto a este assunto, não quero entrar em detalhes porque não é o propósito deste blog, mas vou dizer algumas palavras sobre o que penso disto tudo.

A frase que se espalhou pelas redes sociais e pela mídia após o atentado em apoio ao jornal e defendendo sua liberdade de expressão, "Je suis Charlie", gerou críticas e uma nova frase, "Je suis Ahmed", em homenagem a Ahmed Merabet, o policial muçulmano que foi morto pelos dois homens que invadiram o jornal. Muito está se falando sobre o fato do jornal não apenas criticar, mas ridicularizar a religião e os costumes de uma parcela significativa da população de Paris, e qual é o ponto limite entre liberdade de expressão e discurso de ódio. Disseram que "Je suis Charlie" é mais uma forma de demonstrar preconceito aos muçulmanos, pois nem todos eles são como os dois homens que mataram os cartunistas. Para ser sincera, eu não concordo com a postura do jornal. Eu acho que eles perdem a linha nessa ridicularização da religião islãmica. Críticas e brincadeiras podem e devem ser feitas, mas em minha opinião deve haver um limite, porque senão vira mesmo discurso de ódio. Mas ainda assim eu disse "Je suis Charlie" e quando o digo eu expresso minha visão de que nada, absolutamente NADA, justifica entrar na redação do jornal e abrir fogo, matar cartunistas, destruir famílias, porque eles não respeitam uma religião. Uma amiga no Facebook disse que este tipo de coisa se resolve nos tribunais, e é isto que faz uma democracia (acrescento até "civilização"). Ou ficamos do lado da civilização ou ficamos do lado da barbárie. Então, para mim, o que o Charlie Hebdo faz não é legal, mas entrar lá e matar todos os cartunistas também não. O Je suis Charlie, para mim, é contra a violência e não a favor da postura do jornal. É por isso que eu digo "Je suis Charlie", e sim, eu também digo "Je suis Ahmed", por Ahmed, que morreu defendendo o mesmo jornal que ridicularizava sua religião, defendendo o direito à expressão que não respeitava seus costumes, e por toda a população muçulmana que os irmãos Kouachi não representam.

#JeSuisAhmed  #JeSuisCharlie

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