As burocracias da Securité sociale, a.k.a., o plano de saúde


Além de todas as burocracias da candidatura, do visto e do procedimento OFII, quando você chega à França, ainda tem mais uma coisa para resolver: a securité sociale. Esta bendita nada mais é do que o plano de saúde francês. Algumas pessoas me perguntaram se deviam contratar um seguro viagem daqueles que fazemos quando viajamos antes de ir estudar numa universidade francesa e eu normalmente digo que não, não é preciso. Se você tem menos de 26 anos e vai se matricular numa faculdade na França, você terá direito à securité sociale. No ato da matrícula, você também está aderindo ao plano de saúde, que é pago. Você paga a taxa de matrícula mais o valor da securité sociale, que para mim foi em torno de 480 euros no total.

Como funciona este plano de saúde? Quando você faz a sua matrícula, o funcionário encarregado vai te dar duas opções, uma mutuelle (a sociedade sem fins lucrativos que proporciona os benefícios da securité sociale) com uma cobertura regional e uma com cobertura nacional. E eles não te dão nenhuma dica sobre qual escolher, mesmo que você pergunte. Eu escolhi a de cobertura nacional e não gostei, meus amigos que escolheram a regional tiveram que lidar com bem menos burocracias. Neste sistema, se você precisar ir ao médico, comprar remédios ou sofrer um acidente/passar mal e precisar ser internado, a securité sociale que você contratou vai ressarcir parte do valor que você pagou pelo atendimento médico, palavra chave sendo "ressarcir". Na França não existe atendimento médico gratuito (a não ser em alguns casos, como vou explicar abaixo, mas ainda assim não é exatamente gratuito). O sistema de saúde deles é eficiente, rápido e moderno, mas não é grátis.


Assim que aderi à mutuelle escolhida, LMDE, me enviaram para falar com a moça responsável. Ela me explicou que eu teria que fazer alguns procedimentos para ter direito aos benefícios da securité sociale. Eu deveria ter um médecin traitant, isto é, meu médico pessoal. Eu teria que ir numa consulta e levar um formulário para que ele ou ela assinasse e carimbasse, e sempre que eu precisasse de um médico, eu teria que ligar para ele/ela primeiro. Tendo este formulário em mãos, eu deveria enviá-lo pelo correio com um RIB, que eu descobri ser um documento emitido pelo banco com todas as informações nacionais e internacionais da minha conta. Conta esta que eu não tinha, mas tive que abrir (história que vai ficar para um próximo post). O RIB era necessário para que eles pudessem depositar os valores ressarcidos de remédios e consultas.

Depois de eu ter conseguido tudo isso (arrumei uma médica e um RIB), enviei tudo para o escritório da LMDE pelo correio, como pedido. O que eu era esperava era que tudo estivesse certo e que eles enviassem minha Carte Vitale, o cartão que eu apresentaria sempre que precisasse da securité sociale. No entanto, o que aconteceu? Eu recebi uma carta com o formulário preenchido pela minha médica DEVOLVIDO e um papel que explicava que estava faltando um documento da faculdade (que até hoje não entendi qual era) que deveria ter sido enviado junto com o formulário. O problema é que em nenhum momento haviam mencionado tal documento em nenhum lugar, nem nas instruções da própria LMDE. Eles diziam que eu deveria reenviar o formulário junto com o documento pedido, e eu achei aquilo um absurdo, pois eles deviam ter mencionado este documento antes ou então me pedido que o enviasse para anexá-lo ao meu dossiê e não reenviado o formulário da médica para que eu o reenviasse novamente.



Mas a coisa não parou por aí. Pouco tempo depois eu recebi uma outra carta da LMDE me dizendo que eu deveria enviar uma cópia do meu Acte de Naissance, que seria minha certidão de nascimento, e se eu não a tivesse, deveria providenciar uma tradução juramentada de documento equivalente e enviá-la, caso contrário eu não teria minha Carte Vitale.

Aquilo tudo já estava me irritando TANTO que eu fiz sabe o quê? Nada. Não enviei nem o Acte de Naissance, pois não estava a fim de pagar mais uma tradução juramentada, nem reenviei o formulário da médica e nem pedi o documento na faculdade. Ignorei completamente a securité sociale. Foi o certo a se fazer? Não, pois eu poderia sofrer um acidente e ter que pagar fortunas de atendimento médico, mas eu fui negligente e torci para não precisar de um médico novamente. Arquei com os custos da consulta com a médica (23 euros) e com alguns remédios que tive que comprar que deram uns 20 euros, e tudo ficou por isso mesmo. Também nunca recebi a Carte Vitale.

O interessante é que meus amigos que escolheram a outra mutuelle não passaram por nada disso. Eles enviaram o formulário do médico e o RIB e receberam sua Carte Vitale normalmente alguns meses depois. Mas também é preciso saber algumas coisas sobre este sistema na França:

1- O ressarcimento dos gastos com saúde é parcial. Se você quiser um ressarcimento total, deve pagar um valor extra mensal que se chama Assurance maladie complémentaire, ou Complémentaire santé, e que pode variar, pois são planos diferentes. Tem uns mais acessíveis, que custam de uns 10 a 18 euros por mês, e uns mais completos que podem ir até uns 50 euros.

2 - Existe um programa chamado CMU. Eu sei muito pouco sobre ele, mas tenho uma amiga brasileira que é beneficiada por ele. Ela mora na França há 10 anos, tem duas filhas dependentes dela e baixa renda (e não é estudante), então ela usa os serviços médicos e não paga nada por eles, é tudo coberto por essa CMU, mas não é algo fácil de se conseguir e nem muito acessível (ou conhecido), não sei dizer se estudantes têm direito a ela.

3- Se você tem mais de 26 anos e não tem direito à securité sociale dos estudantes, pode pagar uma particular, mas pelo que disse minha amiga nesta situação, fica em torno de 50 euros por mês. Porém, uma vez que você esteja empregado, tem direito à securité sociale também e pode falar com seus empregadores sobre esta questão, embora eu não saiba exatamente os procedimentos.

ATUALIZAÇÃO 07/01/2016: A Flávia Lana, uma amiga brasileira que foi estudar em Paris me deu uma dica de mutuelle santé francesa que é uma boa opção para quem tem mais de 26 anos. Ela se chama ACS e segundo esta amiga, custou em torno de 200 euros por 9 meses, sendo que ela contratou a mutuelle até antes de ir para a França e não teve nenhum problema. Eles tem valores diferentes por idade e por alcance do reembolso (isto é, menos de 100% de reembolso ou 100%). Se você tem menos de 26, terá que ficar com a mutuelle dos estudantes oferecida pela universidade mesmo.

Por hoje é só, pessoas. Quem tiver dúvidas, deixe seu comentário. À là prochaine!

Imagens: Wikipedia.fr

11 comentários:

  1. Oi Vanessa! Acabei de ler seu blog inteirinho! Me tirou tantas dúvidas! Queria fazer duas perguntas, se com o emprego da perfumaria (ou outro depois) se foi possível se manter aí tranquilamente. Pq Paris é cara né.Claro que vai do estilo de vida de cada um, mas se com um salário de estudante da pra se virar?
    E queria saber como vc está agora. Um ano depois, quais os planos :)
    bjos

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    1. Oi, Lizi! Então, o salário da perfumaria não era suficiente pra me manter, não, pra te ser sincera. O problema são os aluguéis em Paris, que são muito caros. Se você conseguir um aluguel em torno de 300 a 400 euros, seja numa collocation (dividindo com outras pessoas) ou num banlieu, fora do centro de Paris, dá pra se sustentar só com seu salário, sim, mas vivendo na economia, sem excessos. Se o aluguel for mais do que isso (na maioria das vezes, é), aí provavelmente você vai precisar ter um dinheiro guardado ou que alguem da sua família te ajude. Isso contando que você trabalhe as 21h semanais que seu visto te permite, claro.

      Eu estou bem, obrigada. :) Já terminei o Master e foi dureza. Estou no Brasil agora e pretendo me dedicar à prática clínica em psicologia mesmo.

      Obrigada pela participação no blog!
      Beijos,
      Vanessa

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    2. Oi Vanessa!
      sobre os alugueis, é o que mais está me pesando nos cálculos.. tenho pensado em optar por uma universidade em outra cidade. Ainda mais convertendo 4x1
      Poxa, legal! Boa sorte! E obrigada por responder :)

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    3. Oi, Lizi,

      Se você ainda quiser ir para Paris, pode escolher locais um pouco mais afastados do centro, os banlieues, os subúrbios mesmo. Tem Saint-Denis (perto da universidade Paris XIII), tem Créteil (tem uma universidade lá também que no momento não lembro o número rs), tem Villejuif, Ivry, La Corneuve... Tenho uma amiga que mora próximo da estação La Corneuve (final da linha 7 do metrô) e que paga 600 euros de aluguel numa casa enorme, de dois andares. Dê uma olhada no mapa do metrô e veja as estações terminais das linhas, aqueles locais fora do centro de Paris, mas que você vai levar 30, 40 minutos pra chegar ao centro. Vale muito mais à pena do que morar no centro, os alugueis são bem mais baratos, você encontra coisas de 300, 400 euros, que é o que você vai encontrar em outras cidades. E outra, quando chegar lá você vai trabalhar e vai ganhar em euro, então não vai precisar mais converter.

      Boa sorte!
      Abraços,
      Vanessa

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    4. PS: Se você não souber como procurar apartamentos nesses locais, procure os "code postal" deles. O de Paris começa com 75, mas nos sites imobiliários você tem algumas outras opções, que começam com 93, 94 etc, estes são os banlieues. Se eu soubesse disso quando aluguei meu apartamento, certamente teria escolhido um destes lugares e gastaria bem menos. Mas é a vida, né. rs

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  2. Huuumm!! que ótima dica! Muito obrigada! Vou procurar os códigos.

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  3. Vanessa,

    eu estou indo para Paris estudar francês por 6 meses, mas tenho 29 anos, vc acha que é possível conseguir o seguro saúde nesse caso?

    Obrigada,

    Beijos

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    1. Oi, Luiza! Você não tem direito à mutuelle dos estudantes, que só vai até os 26 anos. Para ter sua sécurité sociale, você precisaria pagar por fora, por conta própria. Uma amiga que tem a mesma idade que você me disse que teria que pagar uns 50 euros por mês, e isso é muito caro, não vale à pena. A outra opção é através do seu empregador na França. Se você trabalhar (legalmente) lá, você tem direito à uma sécurité que é tipo a "normal", a dos trabalhadores. Como você só vai por seis meses para estudar francês (é uma universidade ou um curso?), não sei se o visto permite trabalho e nem se você consegue uma mutuelle particular. Dê uma pesquisada por "mutuelle santé france, paris' ou coisas do tipo e veja os sites que aparecem e as opções.

      Qualquer dúvida, pergunte. Se eu tiver como responder e ajudar, eu o farei. :)

      Boa sorte!
      Bjs,
      Vanessa

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    2. Luiza, uma amiga acabou de me dar uma dica sobre uma mutuelle francesa bem mais barata. Ela tem 28 anos e pagou em torno de 200 euros por 9 meses. Ela se chama ACS e sua cobertura é ótima. Dê uma olhada, eu vou até atualizar o post.

      Abraços!

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    3. Muito obrigada!!! Vc é sensacional!

      Eu to indo estudar Frânces na Sorbonne, quero tentar aprender a língua o mais rápido possível para tentar um mestrado. :)

      Vc volta pra cá ou vai ficar no Brasil mesmo?

      Beijos!!!

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    4. Oi, Luiza,

      De nada! :D Eu não pretendo voltar a morar lá, não, pelo menos por enquanto.

      Beijo! :)

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